Marrocos Histórico

Gustavo Freua
4 min readDec 10, 2022

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A seleção De Marrocos no Catar

A seleção do Marrocos vem sendo a grande surpresa da copa até aqui. A equipe tem a melhor defesa do torneio, se classificou em primeiro lugar do seu grupo, está invicta e deixou pelo caminho times como Bélgica e Espanha. Assim, os Leões do Atlas superaram seu desempenho na Copa de 1986, no México, quando chegaram até as oitavas de final e fizeram história no futebol africano, sendo a primeira seleção do continente a superar a fase de grupos. Mas a configuração da seleção atual é bem diferente daquela que fez história há 36 anos.

O Marrocos está localizado ao norte do continente africano e faz fronteira com a Argélia, Mauritânia e a Espanha. As terras marroquinas são as que têm a menor distância entre a África e a Europa, pelo estreito de Gibraltar, canal que separa o mar mediterrâneo do oceano atlântico, esse fato é determinante para entendermos a complexidade da sua história.

Existem vestígios de que o território marroquino é habitado há mais de 700 mil anos, mas a formação do que hoje nós entendemos por Marrocos começou mais recentemente. O país já foi lar para visigodos, vândalos, bizantinos e romanos, porém se estabeleceu mesmo a partir do ano 638, quando os árabes chegaram ao norte da África conquistando territórios marroquinos e espalhando sua cultura, o que tornou o país de maioria islã, algo que não mudou até os dias de hoje.

Sua localização privilegiada e recursos como metais preciosos chamaram a atenção de países europeus como Portugal, França e Espanha que exploraram o país norte-africano por séculos. A proximidade dos territórios marroquinos e espanhóis nas cidades de Melilla e Ceuta inevitavelmente se tornaram motivo de disputa entre os povos, pois as cidades ficam exatamente na fronteira entre os países e controlar seus territórios significa controlar a entrada e saída da África para a Europa e vice-versa. Assim, diversas guerras foram travadas pelo controle da região, com a Espanha ganhando todas às custas de muito sangue africano derramado.

Em 1912, foi assinado o Tratado de Fez, que tornava o país protegido militarmente pelos franceses e espanhóis, além de dividir o Marrocos em pequenas porções governadas por países europeus.

Após a 2ª guerra mundial, os marroquinos pediram a independência de seu país, o que aconteceria também na Europa. O movimento não foi bem visto pelos franceses e a forma que eles encontraram para suprimir a vontade do povo foi exiliar o respeitado sultão Mohammed V, líder do Marrocos, em 1953, que já tinha um histórico de rusgas com os seus colonizadores. Seu substituto foi Mohammed Ben Aarafa, porém ele ficou no poder somente 2 anos e em 1955 Mohammed V retornou ao trono e conseguiu com que Marrocos se tornasse independente já no ano seguinte.

Ao longo dos séculos e antes desses acordos que demarcavam as terras, os fluxos migratórios aconteciam em grande escala e muitos marroquinos passaram a viver na Espanha. Atualmente, o governo espanhol estima que cerca de 870 mil marroquinos vivam no país, mas números extraoficiais dão conta de que a quantidade ultrapassa 1 milhão de pessoas. A imigração marroquina também se estendeu à países como Bélgica, Holanda, França e até mesmo para fora da Europa, mas sem o mesmo atrito e rejeição visto na Espanha.

Com isso, era apenas uma questão de tempo para que marroquinos e seus descendentes prosperassem em solo europeu e o futebol ajudou bastante nisso.

Dentre as 32 seleções que se classificaram para a Copa do Catar, a do Marrocos é a que mais tem jogadores naturalizados. Dos 26 atletas convocados para a disputa do mundial pelo técnico Walid Regragui, 14 não nasceram no país, sendo que 19 atuam por equipes europeias. Entre eles alguns dos destaques desta copa como o goleiro Yassine Bounou, o volante Sofyan Amrabat e as estrelas Hakim Ziyech e Achraf Hakimi.

Hakimi com a camisa do Real Madrid

Filho de imigrantes marroquinos, Hakimi nasceu em Madri, capital da Espanha, e bem que poderia ter defendido a Fúria, mas não foi bem assim que as coisas aconteceram. Ele foi jogador das categorias de base do Real Madrid e em 2017 fez sua estreia pela equipe principal. Contudo, sua passagem pelo time profissional dos merengues durou pouco porque, segundo ele, não recebeu muitas oportunidades. Em 2018, ele se transferiu para o Borussia Dortmund e dois anos mais tarde para a Inter de Milão. Hoje, o lateral é parceiro de Neymar, Messi e Mbappé no PSG e é ao lado de Ziyech, protagonista da bela história que está sendo escrita no Catar.

Foi dele o gol que mandou a Espanha de volta para casa e mostrou a força do futebol marroquino, escrevendo uma daquelas histórias que vão ficar para sempre na história das copas.

Quando questionado sobre sua relação com os dois países, Hakimi não hesita e já declarou que apesar de poder jogar pela Espanha é com seus companheiros marroquinos que ele se sente à vontade e que sua decisão de defender os Leões do Atlas foi a escolha certa a se fazer.

Apesar da maioria dos seus jogadores poderem tranquilamente representar outras nações, a seleção do Marrocos conta com atletas apaixonados por suas raízes e independentemente de quão longe chegarão nesta copa, certamente inspirarão novas gerações a fazer o mesmo e fortalecer o futebol africano.

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