Leônidas: craque e comunista

Gustavo Freua
7 min readFeb 7, 2023

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Gazeta Press / Alberto Sartini

Leônidas da Silva, com certeza você conhece esse nome. Seja pelo seu apelido de “Diamante Negro”, que dá nome a um dos chocolates mais famosos do Brasil, seja pela fama de ele ter inventando a bicicleta, um dos lances mais bonitos que o futebol é capaz de proporcionar. O que muitos não sabem é Leônidas teve um autêntico posicionamento político.

O jovem Leônidas com a camisa do Bonsucesso / Reprodução

Leônidas da Silva nasceu em 6 de setembro de 1913, no Rio de Janeiro. Sua carreira começou na base do São Cristóvão, clube da zona norte da cidade maravilhosa. A estreia como profissional aconteceu pelo Syrio Libanez e depois de uma passagem pelo Bonsucesso, quando de fato se firmou como jogador de futebol. Rápido, forte e dono de uma facilidade incrível para fazer gols, o atacante logo se destacou no cenário do futebol brasileiro que ainda não era muito extenso, o que lhe rendeu uma convocação para a Copa do Mundo de 1932.

Na época do Mundial, realizado na Suécia, ele encantou o mundo pela primeira vez com uma jogada diante do Uruguai que ele já fazia nos campos do Rio. Leônidas saltava de costas para o chão para chutar a bola, um lance extremamente incomum para todos naquele tempo. Era a bicicleta, que apesar de não ter um inventor determinado, se popularizou graças a Leônidas.

Depois da Copa, ele acabou sendo contratado pelo Peñarol, um dos maiores clubes uruguaios, porém sua aventura por lá durou pouco e ele foi defender o Vasco, onde ampliou o seu sucesso em gramados cariocas.

No Vasco, Leônidas conquistou o Carioca de 1934 / Reprodução

No gigante da colina, ele conquistou o Campeonato Carioca de 1934, o seu primeiro grande título, já que os estaduais eram os principais campeonatos que um clube poderia vencer.

Nesse período, aconteceu algo curioso. A CBD, Confederação Brasileiro de Desportos, contratou Leônidas, isso mesmo! Ele foi contratado para defender a seleção na Copa de 34, isso porque a década de 30 era o exato momento em que o futebol brasileiro discutia se seguiria amador ou se profissionalizava, uma discussão que se arrastou por muito tempo. A CBD só aceitava jogadores amadores e propôs um contrato especial para que Leônidas defendesse a seleção. Entretanto, o plano fracassou e o Brasil foi rapidamente eliminado da Copa, mas pelo menos coube a Leônidas marcar o único gol brasileiro daquele Mundial.

Após o insucesso, Leônidas voltou ao futebol do Rio de Janeiro, agora para defender o Botafogo, time que vinha em grande fase e já em seu primeiro ano conquistou o Campeonato Carioca em 1935. Bom, a essa altura, Leônidas já era super conhecido, tinha jogado campeonatos importantes, sido artilheiro e disputado uma Copa do Mundo. mas sua melhor fase ainda estaria por vir.

Em 1936, o Diamante acertou com o Flamengo, ajudando a popularizar o time da Gávea sem saber que estava prestes a dar mais um grande salto na carreira.

Propagando da Lacta sobre o Diamante Negro / Acervo Estadão

Em 1938, aconteceu a primeira Copa na França. O Brasil acabou em terceiro lugar, porém viu Leônidas da Silva se tornar uma verdadeira estrela do futebol mundial. Na oportunidade, o craque marcou 7 gols e terminou a copa como artilheiro, aliás, o primeiro artilheiro do Brasil em Copas do Mundo muito antes de Pelé e Ronaldo.

Consagrado após esse Mundial, Leônidas atingiu um nível de fama raro para aqueles tempos, tão raro que ele fez com que a empresa Lacta batizasse um de seus chocolates como “Diamante Negro”, pegando carona na idolatria a Leônidas. Nem preciso dizer que o produto foi um sucesso de vendas, né? Já que o Diamante Negro segue sendo um dos chocolates mais consumidos pelos brasileiros até hoje.

No auge de sua fama, Leônidas levou o Flamengo ao título Carioca de 39 do qual foi artilheiro com 30 gols em 24 jogos.

Contudo, sua passagem pelo Mengão terminou em briga com a diretoria e até em prisão, já que Leônidas foi detido por 8 meses após apresentar um atestado falso de dispensa militar, que na verdade foi um meio para que ele conseguisse trabalhar lá em 1935.

Leônidas conquistou o Campeonato Paulista 5 vezes pelo São Paulo / São Paulo FC

Era hora de novos ares e em 1940, Leônidas chegava ao São Paulo para mais um desafio. O Tricolor era um clube com apenas 7 anos de história e duelava contra Palmeiras e Corinthians, clubes mais estabelecidos, mas isso não o intimidou e o atacante mudou de vez a história são-paulina, que enquanto ele atuou lá, conquistou 5 vezes o Paulistão e se tornou uma força estadual e nacional.

A essa altura, Leônidas era um ídolo brasileiro respeitado dentro e fora do campo. Contudo, um episódio na década de 40 ameaçou arranhar essa imagem por um motivo semelhante ao que vemos nos tempos atuais. Explico.

O ano de 1945 é histórico para a República Brasileira. Foi a primeira eleição democrática após 11 anos de governo de Getúlio Vargas e também o primeiro pleito onde as mulheres brasileiras puderam votar, era o fim da Era Vargas, que você deve ter estudado na escola.

Aqui é importante haver contexto sobre a Era Vargas e o que acontecia no mundo e no Brasil da época.

Getúlio Vargas chegou ao poder após o conturbado fim da Política do Café com Leite, um modelo de governo que revezava o comando do Brasil entre um representante de Minas Gerais e um de São Paulo. Em 1930, Washington Luís, então presidente, deveria indicar um representante mineiro, mas não o fez. A atitude foi o estopim para que uma revolução começasse no Brasil. Minas juntou-se à Paraíba e ao Rio Grande do Sul e juntas as oligarquias lançaram o nome de Vargas à presidência para concorrer contra o representante paulista Júlio Prestes, que venceu a eleição. Contudo, a derrota não foi aceita e o governo de Prestes viu crescer uma enorme conspiração que terminou com sua deposição.

Uma junta militar comandou o país por 10 dias e em 3 de novembro Vargas assumiu como presidente do Brasil.

A Era Vargas ficou conhecida pela dissolução do congresso nacional, a criação de ministérios, a redação de uma nova constituição federal em 1933 e um novo golpe com o velho e mentiroso pretexto do fantasma do comunismo que era apenas uma desculpa para se manter no poder e aumentar a censura e a repressão à liberdade. Isso aconteceu em 1937 e está marcado nos livros de história como Estado Novo.

Já sob esse regime, começava na Europa a Segunda Guerra Mundial, que tinha os comunistas da União Soviética combatendo os nazistas e fascistas da Alemanha, Itália e Japão. Mesmo assim, o ódio ignorante ao comunismo não desapareceu e respingou em 1945, quando finalmente os brasileiros puderam escolher o seu presidente.

E aqui voltamos para Leônidas, que além de craque era um comunista assumido e provocou polêmica ao declarar seu voto em Iedo Fiúza, membro do PCB, Partido Comunista Brasileiro, pois a maioria dos jogadores da seleção brasileira era contrária à ideia de votar em um comunista. Porém, a desculpa de muitos para não votar em Fiúza foi de que eles eram católicos, um pensamento que ainda hoje é usado como argumento por pessoas que não compreendem e nem querem compreender esse sistema político. Acontece que Leônidas também era católico e justificou seu voto da seguinte forma: “Sou comunista sim senhor. Sou do povo, nasci do povo e me fiz entre o povo, como, pois, ficar separado do povo? Se sou católico? Sim, sou católico e pratico a religião. Não vejo incompatibilidade entre uma coisa e outra. Para aceitar os princípios do comunismo não tive que renegar a fé da minha infância. Comunismo não é fascismo e por isso, respeita a liberdade de cada um. O mais é mentira e disso posso dar testemunho com meu próprio caso. Minha fé religiosa não entra em choque com minhas convicções políticas.”

Recorte do jornal Tribuna Popular

Em 1950, o Diamante Negro se retirou dos gramados aos 37 anos, já sem o mesmo vigor físico que o consagrou. Depois de aposentado, Leônidas foi treinador do São Paulo, trabalhou na Secretaria do Estado e comentarista esportivo. O craque faleceu em 2004, aos 90 anos, por complicações provocadas pelo Alzheimer.

Leônidas da Silva foi um gênio do futebol Mundial, um pioneiro para os brasileiros, ídolo de três grandes clubes do Rio e um dos principais motivos pelos quais o São Paulo hoje é um time grande. Mas ele também foi um atleta e cidadão que faz falta hoje em dia em tempos em que muitos insistem em repetir as mesmas ignorâncias do passado.

Você pode ouvir esse conteúdo no podcast Futebol, História e Política:

https://open.spotify.com/episode/2vJ6r3yfumTBkhK5TR7qZS?si=suUEa8jOQZmP2NuAiAT4Bg

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